O que você fazia quando chegava da escola?

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Fonte: Design c/ Limão

Burros motivados

Observador  contumaz  das  manias humanas, Roberto Shinyashiki está cansado dos jogos de aparência que tomaram conta das corporações e das famílias. Nas  entrevistas  de  emprego,  por  exemplo,  os  candidatos repetem o que imaginam  que  deve  ser  dito.  Num  teatro  constante, são todos felizes, motivados,  corretos,  embora  muitas vezes pequem na competência. Dizem-se perfeccionistas: ninguém comete falhas, ninguém erra. “Toda  a gente que eu conheço e que fala comigo nunca teve um ato ridículo, nunca  sofreu  enxovalho,  nunca foi senão príncipe”, dizem os versos que o inspiraram a escrever Heróis de verdade (Editora Gente, 168 págs). Farto de semideuses,  Roberto  Shinyashiki  faz  soar  seu alerta por uma mudança de atitude. “O mundo precisa de pessoas mais simples e verdadeiras”.

ISTO É – Quem são os heróis de verdade?
Roberto  Shinyashiki  – Nossa sociedade ensina que, para ser uma pessoa de sucesso,   você  precisa  ser  diretor  de  uma  multinacional,  ter  carro importado,  viajar  de primeira  classe. O mundo define que poucas pessoas deram  certo. Isso é uma loucura. Para cada diretor de empresa, há milhares de  funcionários  que  não  chegaram  a  ser  gerentes. E essas pessoas são tratadas como uma multidão de fracassados. Quando olha para a própria vida, a  maioria  se convence de que não valeu a pena porque não conseguiu ter o carro  nem  a  casa maravilhosa. Para mim, é importante que o filho da moça que  trabalha  na  minha  casa possa se orgulhar da mãe. O mundo precisa de pessoas  mais  simples  e  transparentes. Heróis de verdade são aqueles que trabalham para  realizar seus projetos de vida, e não para impressionar os outros. São pessoas que sabem pedir desculpas e admitir que erraram.

ISTO É – O sr. citaria exemplos?
Shinyashiki –
Dona Zilda Arns, que não vai a determinados programas de tevê nem  aparece de  Cartier,  mas está salvando milhões de pessoas. Quando eu nasci,  minha  mãe  era empregada doméstica e meu pai, órfão aos sete anos, empregado  em uma farmácia. Morávamos em um bairro miserável em São Vicente (SP)  chamado  Vila Margarida. Eles são meus heróis. Conseguiram criar seus quatro  filhos, que hoje estão bem. Acho lindo quando o Cafu põe uma camisa em  que  está  escrito  “100%  Jardim  Irene”. É pena que a maior parte das pessoas  esconda  suas  raízes. O resultado é um mundo vítima da depressão, doença  que  acomete hoje 10% da população americana. Em países como Japão, Suécia e Noruega, há mais suicídio do que homicídio. Por que tanta gente se mata? Parte da culpa está na depressão das aparências, que acomete a mulher que, embora não ame mais o marido, mantém o casamento, ou o homem que passa décadas  em  um  emprego  que  não  o faz se sentir realizado, mas o faz se sentir seguro.

ISTO É – Qual o resultado disso?
Shinyashiki  –
Paranóia  e  depressão  cada  vez mais precoces. O pai quer preparar  o  filho  para  o  futuro  e  mete  o  menino em aulas de inglês, informática  e  mandarim. Aos nove ou dez anos a depressão aparece. A única coisa  que prepara uma criança para o futuro é ela poder ser criança. Com a desculpa de prepará-los para o futuro, os malucos dos pais estão roubando a infância  dos  filhos.  Essas  crianças  serão  adultos  inseguros  e terão discursos   hipócritas.   Aliás,   a   hipocrisia  já  predomina  no  mundo
corporativo.

ISTO É – Por quê?
Shinyashiki –
O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a começar pelo  processo  de  recrutamento. É contratado o sujeito com mais marketing pessoal.  As corporações valorizam mais a auto-estima do que a competência. Sou  presidente da Editora Gente e entrevistei uma moça que respondia todas as  minhas  perguntas  com  uma ou duas palavras. Disse que ela não parecia demonstrar  interesse.  Ela me respondeu estar muito interessada, mas, como falava pouco, pediu que eu pesasse o desempenho dela, e não a conversa. Até porque  ela  era candidata a um emprego na contabilidade, e não de relações públicas.  Contratei  na  hora.  Num  processo clássico de seleção, ela não passaria da primeira etapa.

ISTO É – Há um script estabelecido?
Shinyashiki  –
Sim. Quer ver uma pergunta estúpida feita por um presidente de  multinacional  no  programa  O  aprendiz?  “Qual  é seu defeito?” Todos respondem  que  o  defeito  é  não  pensar na vida pessoal: “Eu mergulho de cabeça  na empresa. Preciso aprender a relaxar.” É exatamente o que o chefe quer   escutar.   Por   que  você  acha  que  nunca  alguém  respondeu  ser desorganizado  ou  esquecido?  É  contratado  quem  é  bom em conversar, em fingir.  Da  mesma  forma, na maioria das vezes, são promovidos aqueles que fazem  o  jogo  do  poder. O vice-presidente de uma das maiores empresas do planeta  me  disse:  “Sabe,  Roberto,  ninguém chega à vice-presidência sem mentir.” Isso significa que quem fala a verdade não chega a diretor?

ISTO É – Temos um modelo de gestão que premia pessoas mal preparadas?
Shinyashiki  –
Ele  cria pessoas arrogantes, que não têm a humildade de se preparar,  que  não  têm  capacidade  de  ler  um  livro até o fim e não se preocupam  com  o conhecimento. Muitas equipes precisam de motivação, mas o maior problema no Brasil é competência. Cuidado com os burros motivados. Há muita  gente motivada fazendo besteira. Não adianta você assumir uma função para a qual não está preparado. Hoje, o garoto sai da faculdade achando que sabe fazer uma neurocirurgia. O Brasil se tornou incompetente e não acordou para isso.

ISTO É – Está sobrando auto-estima?
Shinyashiki  –
Falta às pessoas a verdadeira auto-estima. Se eu preciso que os  outros  digam  que sou o melhor, minha auto-estima está baixa. Antes, o ter  conseguia  substituir  o ser. O cara mal-educado dava uma gorjeta alta para  conquistar  o respeito do garçom. Hoje, como as pessoas não conseguem nem  ser  nem ter, o objetivo de vida se tornou parecer. As pessoas parecem que  sabem, parecem que fazem, parecem que acreditam. E poucos são humildes para  confessar  que não sabem. Há muitas mulheres solitárias no Brasil que preferem dizer que é melhor assim. Embora a auto-estima esteja baixa, fazem pose de que está tudo bem.

ISTO  É  –  Por  que  nos  deixamos  levar  por  essa necessidade de sermos perfeitos em tudo e de valorizar a aparência?
Shinyashiki  –
Isso vem do vazio que sentimos. A gente continua valorizando os  heróis.  Quem  vai  salvar  o Brasil? O Lula. Quem vai salvar o time? O técnico.  Quem vai salvar meu casamento? O terapeuta. O problema é que eles não vão salvar nada! Tive um professor de filosofia que dizia: “Quando você quiser  entender  a  essência do ser humano, imagine a rainha Elizabeth com uma  crise  de  diarréia  durante um jantar no Palácio de Buckingham.” Pode parecer   incrível,  mas  a  rainha  Elizabeth  também  tem  diarréia.  Ela certamente  já  teve dor de dente, já chorou de tristeza, já fez coisas que não deram certo. A gente tem de parar de procurar super-heróis. Porque se o super-herói não segura a onda, todo mundo o considera um fracassado.

ISTO É – O conceito muda quando a expectativa não se comprova?
Shinyashiki  –
Exatamente. A gente não é super-herói nem superfracassado. A gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias de tristeza. Não há nada de errado  nisso.  Hoje,  as pessoas estão questionando o Lula em parte porque acreditavam que ele fosse mudar suas vidas e se decepcionaram. A crise será positiva  se  elas  entenderem  que  a responsabilidade pela própria vida é delas.

ISTO É – É comum colocar a culpa nos outros?
Shinyashiki  –
Sim.  Há  uma  tendência a reclamar, dar desculpas e acusar alguém.  Eu  vejo as pessoas escondendo suas humanidades. Todas as empresas definem  uma  meta de crescimento no começo do ano. O presidente estabelece que  a meta é crescer 15%, mas, se perguntar a ele em que está baseada essa expectativa,   ele  não  vai  saber  responder.  Ele  estabelece  um  valor aleatoriamente,  os  diretores  fingem  que  é  factível e os vendedores já partem  do  princípio  de que  a  meta não será cumprida e passam a buscar explicações  para,  no  final  do  ano,  justificar.  A  maioria  das metas estabelecidas  no  Brasil  não  leva  em  conta  a evolução do setor. É uma chutação total.

ISTO  É – Muitas pessoas acham que é fácil para o Roberto Shinyashiki dizer essas coisas, já que ele é bem-sucedido. O senhor tem defeitos?
Shinyashiki  –
Tenho  minhas  angústias e inseguranças. Mas aceitá-las faz minha vida fluir facilmente. Há várias coisas que eu queria e não consegui. Jogar  na  Seleção  Brasileira,  tocar  nos Beatles (risos). Meu filho mais velho  nasceu  com  uma doença cerebral e hoje tem 25 anos. Com uma criança especial,  eu aprendi que ou eu a amo do jeito que ela é ou vou massacrá-la o  resto  da  vida  para ser o filho que eu gostaria que fosse. Quando olho para  trás,  vejo  que  60%  das  coisas que fiz deram certo. O resto foram apostas  e  erros.  Dia  desses  apostei  na edição de um livro que não deu certo.  Um  amigão  me  perguntou:  “Quem  decidiu publicar esse livro?” Eu respondi que tinha sido eu. O erro foi meu. Não preciso mentir.

ISTO É – Como as pessoas podem se livrar dessa tirania da aparência?
Shinyashiki  –
O  primeiro  passo é pensar nas coisas que fazem as pessoas cederem a essa tirania e tentar evitá-las. São três fraquezas. A primeira é precisar  de  aplauso,  a segunda é precisar se sentir amada e a terceira é buscar  segurança. Os Beatles foram recusados por gravadoras e nem por isso desistiram. Hoje, o erro das escolas de música é definir o estilo do aluno. Elas ensinam a tocar como o Steve Vai, o B. B. King ou o Keith Richards. Os MBAs  têm o mesmo problema: ensinam os alunos a serem covers do Bill Gates. O  que  as  escolas  deveriam  fazer  é  ajudar  o aluno a desenvolver suas próprias potencialidades.

ISTO É – Muitas pessoas têm buscado sonhos que não são seus?
Shinyashiki  –
A sociedade quer definir o que é certo. São quatro loucuras da  sociedade. A primeira é instituir que todos têm de ter sucesso, como se ele não tivesse significados individuais. A segunda loucura é: “Você tem de estar  feliz todos os dias.” A terceira é: “Você tem que comprar tudo o que puder.”  O  resultado é esse consumismo absurdo. Por fim, a quarta loucura: “Você  tem  de fazer as coisas do jeito certo.” Jeito certo não existe. Não há  um  caminho  único  para se fazer as coisas. As metas são interessantes para  o  sucesso, mas não para a felicidade. Felicidade não é uma meta, mas um  estado  de  espírito. Tem gente que diz que não será feliz enquanto não casar,   enquanto  outros  se  dizem  infelizes  justamente  por  causa  do casamento.  Você  precisa ser feliz tomando sorvete, levando os filhos para brincar.

ISTO É – O sr. visita mestres na Índia com freqüência. Há alguma   parábola que o sr. aprendeu com eles que o ajude a agir?
Shinyashiki  –
Quando  era  recém-formado  em  São  Paulo, trabalhei em um hospital  de  pacientes  terminais.  Todos  os  dias  morriam  nove  ou dez pacientes.  Eu sempre procurei conversar com eles na hora da morte. A maior parte  pega o médico pela camisa e diz: “Doutor, não me deixe morrer. Eu me sacrifiquei  a  vida  inteira, agora eu quero ser feliz.” Eu sentia uma dor enorme por não poder fazer nada. Ali eu aprendi que a felicidade é feita de coisas  pequenas.  Ninguém  na hora  da morte diz se arrepender por não ter aplicado o dinheiro em imóveis.

Entrevista publicada na revista Istoé – texto recebido por e-mail – não sei se está na íntegra